A maldição de Arbon. Parte 15
XVIII.
Lissa começara a retomar seus movimentos e esforçava-se para se sentar.
Macus e Irkan sentiram a pressão do ar diminuir e então avançaram. A névoa
prateada afastou-se de Lissa, passando sobre as cabeças dos elfos, e rumou para
a porta. Todos se voltaram naquela direção e perceberam que ali estava o outro
sacerdote. Ari tentava, em vão, se mexer, estava agora paralisado, porém, em
seguida, sua cabeça se movia assentindo. Ele assentia desesperadamente. Depois
de um tempo, seu corpo pendeu e ele se prostrou ao solo diante da névoa.
— Eu juro! — ouviram-no gritar. — Juro! Pelos Kamms e por minha vida!
A tensão no ar se prolongou ainda por algum tempo até que, por fim,
amenizou. A friagem e o vento cortante se dissiparam juntamente com o
desaparecimento da névoa prateada. As velas dos castiçais permaneceram acesas,
contudo com sua luminosidade habitual.
Ari não ousou se levantar ou sequer se mexer. Irkan o observava. Enquanto
isso, Macus foi até a criança e envolveu-a delicadamente com sua capa uma vez
que o vestido que ela trajava estava em farrapos. Ela tinha os olhos fixos no
sacerdote tombado. Suas mãos tremiam e, por sua fronte, o suor escorria. Ela
baixou a cabeça em silêncio, parecia fazer uma prece. Após, com a ajuda de
Macus, desceu da mesa e avançou junto dele até o sacerdote prostrado à entrada.
— Sacerdote Ari! — chamou Lissa.
— Sim. — ele deu uma resposta trêmula sem se erguer.
— Diga-me o que lhe foi proposto. — tornou a meio-elfa.
— Eu... — ele começou sem forças, então foi se recompondo e sentou-se no
chão. — Ela quer que façamos um acordo... Na verdade, fizemos um acordo para
proteger você e os outros... — ele ergueu a cabeça e fitou a criança. — Eu os
protegerei com minha vida.
— Então o senhor aceitou o que o sacerdote Tífan negou...
— Sim... — ele se levantou e andou cambaleante até a porta. Lá se pôs a
respirar profundamente.
— Afinal o que está acontecendo aqui? — Macus perguntou a Lissa. — Você
não está machucada?
— Eu me recuperarei... Não se preocupe, nobre senhor. — ela tentou um
sorriso, mas sua alma não acompanhou o movimento de sua face e o que o
semblante mostrava não correspondia ao que guardava no coração. — A Última Criança
apareceu-nos... — ela prosseguiu olhando para fora — Ou, pelo menos, assim ela
se denominou. A Criança propôs a Tífan que se redimisse de ter contrariado a
vontade dos Kamms, mas ele não a escutou, então foi punido. Já Ari parece ter
aceitado sinceramente o seu jugo e assim foi poupado.
— A Última Criança é um Kamm? — perguntou Macus.
— É o fantasma, Macus. — falou Irkan. — Suponho que ela tenha sido uma
criança consagrada como você, Lissa.
— Sim. — disse a meio-elfa — Ela se ofereceu à bondade dos Kamms há algum
tempo. Isso foi pouco antes de os ataques ao vilarejo de Arbon começarem.
— E você acredita que ela age pela vontade dos Kamms? — inquiriu Macus.
— Sim! — ela atirou como se afirmasse o óbvio, mas depois se colocou a
pensar.
Ari vinha entrando de novo no templo, parecia recomposto, embora não
calmo.
— Tenho que limpar essa bagunça. — ele falou apontando para o corpo de
Tífan. — E depois voltar ao templo e dar explicações ao sacerdote-chefe. O que
pretende fazer, Lissa?
— Também sinto que tenho de me apresentar ao sacerdote-chefe. — respondeu
ela — Vocês me acompanhariam? — ela voltou-se para os elfos.
— Sim. — disse Irkan. — Nós iremos.
Então os elfos e a meio-elfa se retiraram para o exterior da construção e
esperaram que Ari fizesse o seu trabalho. Ele cuidou, sozinho, de limpar o
templo e enterrar o sacerdote. Lissa nada dizia e já não tinha o olhar sereno
de antes, algo em seu interior havia mudado definitivamente. Ela olhava para
longe enquanto refletia trancada em seu íntimo. Macus a observava pesaroso. O
rapaz culpava-se por não ter chegado um pouco antes no templo, afinal, quando
ele e seu companheiro haviam percebido o ardil de Tífan, era tarde. Os dois
guardavam o exterior do mosteiro, alternando-se em fazer rondas, mas o sacerdote
havia produzido uma distração na parte frontal enquanto escapara pelos fundos.
Havia mandado espancar um empregado diante dos portões do mosteiro e para lá
Macus e Irkan foram atraídos pensando que o ocorrido envolvesse a criança.
Observaram de longe a cena até se darem conta de que havia algo errado. O
empregado gritava afirmando sua inocência e espancava os outros de volta. Esse
não parecia ser um comportamento típico daquelas pessoas, as quais,
aparentemente, aceitavam com resignação suas dores e sofrimentos, apesar das
injustiças. Então os dois elfos, percebendo-se enganados, correram para o
templo a fim de averiguarem o local. Assim, antes que chegassem, Tífan teve
oportunidade de arrastar a menina e dar sequência a seus atos pecaminosos até o
surgimento do fantasma. Macus sacudia a cabeça ao imaginar o que havia se
passado segundos antes de sua chegada e fitava a menina com um nó na garganta.
O silêncio entre os três era profundo.
Ari, de repente, se aproximou e chamou-os.
— Logo irá amanhecer. Penso que a criança deva descansar antes de
regressarmos.
— Não. — Lissa pôs-se de pé e, ao se voltar, percebeu que o templo estava
fechado. — Vamos agora. — completou e, abraçando-se por baixo das dobras da
capa de Macus, começou a caminhar devagar.
Os elfos e o homem a seguiram.
Continua...
Comentários
Postar um comentário