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Mostrando postagens de abril, 2020

A maldição de Arbon. Parte 21

XXIV. Depois de ajudarem a limpar tudo e a enterrar os corpos, os elfos assistiram à cerimônia de posse de Ari como novo sacerdote-chefe. Ele assumiu com a promessa de rever os costumes e de acabar com os sacrifícios humanos em homenagem aos Kamms. Nomeou Lissa como sua conselheira e prestou uma homenagem ao menino Kim. Nada foi dito sobre Nélius. Ao raiar do terceiro dia, Macus e Irkan recolheram suas coisas e se aprontaram para partir. Despediram-se do novo sacerdote-chefe Ari e Lissa os acompanhou por uma parte do caminho pela Floresta das Feras relutando em dizer adeus. — Vejo que é chegado o momento... — disse a meio-elfa quando os dois se detiveram e puseram-se a olhá-la. — Posso ter alguma esperança de vê-los novamente, nobres senhores? — É pouco provável que isso aconteça, Lissa. — respondeu Irkan — Mas guarde a lembrança e nós faremos o mesmo. — Volte, Lissa. — disse Macus simplesmente — E mantenha-se atenta. Desconfie sempre, todavia nunca perca a esperança. Os ...

A maldição de Arbon. Parte 20

XXIII. Macus e Irkan, juntamente com Ari, aproximaram-se das crianças. Ari tomou o corpo de Kim dos braços de Lissa e constatou sua morte. A menina chorava desconsolada. Já não era mais sentida qualquer friagem no tempo nem se avistava qualquer névoa prateada. — Ele morreu por minha causa. — disse Lissa quando enfim conseguiu falar — Ambos. — acrescentou soluçando. — Ambos fizeram escolhas, Lissa. — disse Irkan abaixando-se ao lado dela e erguendo sua face com um toque suave para que pudesse olhá-lo — Podemos escolher tudo, exceto as consequências de nossos atos. O menino escolheu protegê-la, foi um ato de amor. O sacerdote agiu consciente de seus erros ou cegado pela fé desvairada, de todo modo, causou o mal e isso foi sua ruína. Não se culpe. Ou, se preferir, culpe-se, mas tire disso uma lição positiva e esqueça logo. Não viva com esse peso sobre seus ombros. Dizendo isso, o elfo se afastou, chamando Ari a acompanhá-lo. Macus abaixou-se e ajudou Lissa a se erguer, então a a...

A maldição de Arbon. Parte 19

XXII. O esforço da menina era em vão, pois o pequeno Kim já se fora. Ari, perplexo, e de repente desperto de sua inércia, pôs-se entre Lissa e Nélius ao ver que o sacerdote não contivera seu instinto assassino diante da queda do pequeno e partia para recuperar seu punhal. Nélius tinha o rosto monstruoso que parecia ter perdido toda a humanidade, mas Ari o encarou com determinação, embora estivesse desarmado. Nesse momento, Macus sentiu-se liberto da rigidez que o prendia e, chamando pelo sacerdote-chefe ao mesmo tempo em que sacava sua espada, partiu contra ele. O sacerdote se voltou para o elfo, saltou para longe ganhando distância e começou a falar em uma forma antiga da língua Comum, a qual o outro não compreendia. — Cuidado, Macus! — gritou Irkan que, por sua vez, pôs-se a falar rapidamente em Élfico. Macus não teve tempo de conter seu ataque que já estava a caminho e sua arma chocou-se contra uma invisível barreira protetora diante do sacerdote. O ricochete derrubou a espa...

A maldição de Arbon. Parte 18

XXI. Com um grito, Lissa despertou de seu aparente torpor e viu-se frente a frente com o líder do culto. Ele recolheu a mão que estendera em sua direção e, prudente, aguardou. Uma gélida onda de frio estava entre eles e o ar parecia oferecer resistência até mesmo à respiração, mas o sacerdote não parecia afetado. — Está pronta, Lissa? — disse tenebrosa a voz de Nélius, como se saísse das profundezas de um poço. — Para... para quê, senhor? — gaguejou ela e de sua boca saiu uma névoa fina. — Não há porquê delongar-nos mais nessa questão. — respondeu Nélius — Você pensa que foi escolhida pelos Kamms, eu compreendo. Estes elfos a manipularam e estão fazendo com que sua mente se nuble e abandone os princípios de nossa fé. Você foi de fato escolhida pelos Kamms desde seu nascimento para que cumprisse seus princípios e protegesse o seu povo, oferecendo sua vida quando eles a requisitassem. Ou já se esqueceu de seu juramento? Seus pais se orgulharam de entregá-la. Imagine a vergonha ...

A maldição de Arbon. Parte 17

XX. Ari entrou pela porta da sala de estudos acompanhado por um homem mais velho e elegante. Ele usava uma túnica de seda branca e se envolvia em uma capa de veludo esverdeado. Possuía anéis dourados nos dedos e correntes prateadas ao pescoço. O cabelo era grisalho e bem aparado, o semblante, duro. Com olhos pesados, fitou Lissa demoradamente ao entrar e, então, demorou o olhar também primeiro em Irkan e depois em Macus. Ari parou ao lado dele e disse à Lissa: — O sacerdote Nélius está aqui para ouvi-la. Diga a ele apenas a verdade. — advertiu com uma ligeira ameaça na voz. — Bom... — falou Lissa — Não sei o que o sacerdote Ari já lhe contou, senhor chefe Nélius, então não sei por onde começar... — Comece por esclarecer suas ações na praia. — disse o homem em tom seco. — Naquela noite, — começou a menina escolhendo as palavras — houve um ataque durante o ritual e todas as pessoas se dispersaram porque ficaram com medo. Inclusive o sacerdote Tífan desapareceu. — Não comece...

A maldição de Arbon. Parte 16

XIX. Passando pelo pomar, fizeram, silenciosos, o caminho rumo ao mosteiro. A madrugada fria ia chegando ao fim quando pararam diante do grande portão de ferro que encerrava a muralha circular. Ari se adiantou e, tocando a aldrava, mostrou o próprio rosto diante de uma pequena janela que se abria no portão à meia altura. — Abra. — disse simplesmente quando um guarda abriu a boca confuso para interpelá-lo. O portão rangeu e Ari passou pela abertura. O guarda encarou também a criança com estranheza e fez menção de barrar os demais, mas, a um olhar do sacerdote, ele liberou o caminho. — Devemos avisar o sacerdote-chefe? — perguntou o sujeito inseguro. — Eu mesmo o farei. — respondeu Ari e foi andando. Cruzaram um pátio e os jardins. Por ali havia algumas estátuas que representavam os Kamms da mesma forma que no templo. Macus identificou algumas que já vira antes, outras lhe pareciam inéditas. Não era a estação das flores e o jardim tinha apenas folhagens, todas bem cuidadas....

A maldição de Arbon. Parte 15

XVIII. Lissa começara a retomar seus movimentos e esforçava-se para se sentar. Macus e Irkan sentiram a pressão do ar diminuir e então avançaram. A névoa prateada afastou-se de Lissa, passando sobre as cabeças dos elfos, e rumou para a porta. Todos se voltaram naquela direção e perceberam que ali estava o outro sacerdote. Ari tentava, em vão, se mexer, estava agora paralisado, porém, em seguida, sua cabeça se movia assentindo. Ele assentia desesperadamente. Depois de um tempo, seu corpo pendeu e ele se prostrou ao solo diante da névoa. — Eu juro! — ouviram-no gritar. — Juro! Pelos Kamms e por minha vida! A tensão no ar se prolongou ainda por algum tempo até que, por fim, amenizou. A friagem e o vento cortante se dissiparam juntamente com o desaparecimento da névoa prateada. As velas dos castiçais permaneceram acesas, contudo com sua luminosidade habitual. Ari não ousou se levantar ou sequer se mexer. Irkan o observava. Enquanto isso, Macus foi até a criança e envolveu-a delic...

A maldição de Arbon. Parte 14

XVII. Então, várias coisas sucederam no mesmo instante. À porta do templo, chegaram os elfos Irkan e Macus. Eles haviam corrido e estavam ofegantes. Viram o sacerdote Tífan sobre Lissa, a menina já não resistia e seu corpo pendia rígido sobre o altar. O homem também não se movia, parecia paralisado, a cabeça voltada fixamente para um ponto ao alto. Todas as velas dos castiçais se iluminaram de uma vez e uma claridade ofuscante invadiu todo o lugar. Os elfos tiveram de tapar os olhos. Macus avançou mesmo assim, mas parou ao ouvir um ruído estridente e, em seguida, um baque surdo. Era o corpo de Tífan sendo, primeiro, rasgado por uma corrente de ar muito forte que passou como lâminas afiadas e, depois, atirado ao solo. Com o impacto do choque, logo havia uma poça de sangue ao redor do corpo. Quando a intensidade da luz enfim diminuiu, Macus forçou novamente o avanço, mas sentiu uma barreira de ar obstruindo-o. Na verdade, aquela intensidade lembrava-lhe mais uma energia poderosa do...

A maldição de Arbon. Parte 13

XVI. Ainda naquela noite, um homem arrastava uma criança para fora do mosteiro e seguia fustigando-a em direção ao templo. Ele a apertava junto ao corpo e a fazia andar enquanto tampava sua boca com uma mão e apertava seu pescoço com o braço. Dessa forma os dois chegaram ao templo quase silenciosamente. O homem abriu a porta com cuidado e levou a criança até o altar sem acender nenhuma luz. Jogou-a sobre a mesa e começou a arrancar suas vestes, ainda tapando sua boca. Mesmo no escuro era possível sentir o olhar apavorado da criança e sua respiração ofegante implorava por piedade sob aquela mão dura. O homem também ofegava. Um chicote de tiras de couro estava preso em sua cintura e ele respirava frenético sobre o corpinho da criança no qual passava suas mãos exageradamente enquanto lutava para arrancar o vestidinho branco. A criança se debatia ferozmente, lutando com toda a força que tinha, chutando com as pernas curtas e arranhando com os dedos frágeis. Mas, quanto mais ela resisti...

A maldição de Arbon. Parte 12

XV. — Eu quero viver... — Lissa ainda choramingava prostrada. Tífan a olhava perplexo. O sacerdote esfregou o rosto, estava visivelmente tentando ao máximo se controlar. — Sugiro, respeitosamente, sacerdote Tífan, que saia e tome um ar antes de se decidir. — recomendou Ari. Tífan bufou e se afastou. Ficou parado longo tempo na entrada do templo. Os outros aguardavam silenciosos. O menino Kim aproximou-se de Lissa e estendeu-lhe a mão. — Não tenha medo. Ele vai perdoá-la. Eu também não quero morrer e os sacerdotes sempre disseram que não queriam nos sacrificar, mas que isso era necessário para acalmar a ira dos Kamms, porém, se os Kamms não querem mais nosso sacrifício, nós viveremos. E ninguém pagará por isso. Todos ficarão em paz. Os olhos de Ari faiscaram. Ele, no entanto, permaneceu em silêncio. Lissa sorriu para Kim e aceitou a mão que ele estendeu para ajudá-la a se levantar. Ari foi até a porta e parou ao lado do outro; tocando-lhe o ombro, o trouxe de volta para d...

A maldição de Arbon. Parte 11

XIV. Não era mais possível aos elfos esconderem a criança consagrada, então eles moveram-se levemente, permitindo que os recém-chegados a vissem. Quando todos se voltaram, o menininho estava sacudindo a meio-elfa para despertá-la. Ela continuava chorando de olhos fechados sem se mover ou falar. — Lissa! — gritou novamente o homem da mão ferida, sua voz soava repleta de raiva. A menina despertou assustada e o olhou. O garoto também estava amedrontado. — Sacerdote Tífan. — disse a meio-elfa se recompondo rapidamente. — Agradeço aos Kamms por reencontrá-lo. Sacerdote Ari. — disse ela cumprimentando o outro. — Kim. — ela sorriu para o pequeno companheiro e este relaxou levemente. — Então, Lissa... — disse Tífan — já refletiu sobre seus atos e voltou para receber o seu castigo. Macus apertou os olhos. Ia falar, mas Lissa começou primeiro: — Quanto a isso, senhor, eu pedi o favor dos Kamms... — O quê?! — o sacerdote exclamou surpreso. — Minha amada Kamm da pureza e da vid...

A maldição de Arbon. Parte 10

XIII. Junto com a aurora que incidiu avermelhada sobre o templo, surgiram, à porta, três pessoas, dois adultos e um menino, todos da raça dos homens. Um dos adultos tinha a mão esquerda envolta em faixas e com manchas de sangue. Esse tinha o olhar mais severo. Seu companheiro os encarava apenas com surpresa assim como o menino.   — Quem são vocês e o que fazem aqui? — disparou rispidamente o homem da mão ferida. — Este templo é um local privado? — perguntou Irkan com cautela. — Bom... — o homem tossiu limpando a garganta. — Não. — prosseguiu — Mas é costumeiramente usado pelos sacerdotes e pelas crianças consagradas. — Então felizmente não cometemos nenhum delito. — tornou Irkan fazendo uma ligeira reverência com a cabeça e mantendo o tom amistoso. — E não temos porque desculpar-nos por virmos conhecer o esplendor dos Kamms de Arbon. — falou movendo os braços e estampando uma expressão de profunda admiração. O homem encarou o elfo com os olhos apertados. Enquanto fala...

A maldição de Arbon. Parte 9

XII. Seguiram pela Floresta das Feras durante a fria madrugada e pararam quando Lissa comunicou que não estavam longe do mosteiro. Ela pediu-lhes que a acompanhassem até o templo dos Kamms antes de se dirigir até a casa. Eles passaram a avançar cautelosos e desviaram a rota para alcançarem o templo lateralmente e não se colocarem sob os olhos de possíveis vigias do mosteiro antes de estarem prontos para entrar. As construções eram próximas, mas estavam separadas pelo pomar, o que dava a cobertura das árvores e a distância de uma breve caminhada como salvaguarda. O templo dos Kamms era uma construção de pedra acinzentada e que possuía uma grande porta de marfim entalhada com figuras que lembravam o ciclo da vida. Nos desenhos, havia uma pessoa oferecendo pães e peixes a um grupo de convivas; havia uma jarra de água sendo despejada por outra pessoa, e essa água enchia um rio que corria para o solo; havia, ainda, pessoas arando a terra e outras descansando à sombra de uma árvore, al...

A maldição de Arbon. Parte 8

XI. — Temos de levá-la a um lugar seguro. — disse Irkan quando enfim pararam ofegantes. — O mosteiro. — disse Macus. — Já não lhes disse que não posso voltar? — falou Lissa em língua Comum — Eles não me receberão. — E o que sugere que façamos? — perguntou Irkan. — De fato, preciso de orientação do templo... — disse ela após pensar um pouco — Serei castigada, mas... não há outra forma... — Ninguém lhe fará nenhum mal. — disse Macus. — Eu asseguro. Ela assentiu vacilante. — Esses sacrifícios têm de parar. — tornou Macus. — Lissa, por favor, mostre-nos o caminho. — pediu Irkan interrompendo o outro. Macus voltou-se para segui-la, mas Irkan o segurou: — Nós não devemos interferir nas crenças das pessoas. Não estamos aqui para doutriná-las. — E se estão equivocadas? — Não lhe foi dada autoridade para julgar. Se estiverem equivocadas, um dia acordarão e melhorarão. Por ora... — Então o que estamos fazendo aqui? — Macus cortou. Irkan ficou em silêncio e observo...

A maldição de Arbon. Parte 7

X. Irkan olhou em volta preocupado. Várias luzes haviam se acendido no interior das casas mais próximas e algumas pessoas começavam a sair de suas moradas, possivelmente atraídas pelo barulho. Algumas os encaravam. — Macus, — chamou ele e voltou a usar a língua Comum — precisamos sair daqui depressa. Dê um jeito nisso. — ele apontou com a cabeça para a criança e, em seguida, passou a observar as pessoas. Algumas já faziam menção de se aproximar. Macus juntou o equipamento e tocou os ombros da menina. — Por favor, venha conosco. — disse ele gentilmente em élfico. — Temos de sair daqui . Ela aquiesceu. — Eles estão com a oferenda! — gritou uma mulher. — É a criança consagrada! Macus olhou para Irkan preocupado. — Eles impediram o sacrifício e amaldiçoaram a menina! — gritou um homem. — Vamos! — disse Irkan e os três se apressaram para o interior da floresta ao norte. Ouviram ainda vozes gritando: — Eles a levaram! Peguem-nos! Quando estavam fora das vistas dos m...

A maldição de Arbon. Parte 6

IX. Irkan levantou-se com um pulo. Ia tomar a menina no colo, porém a violenta rajada de vento também veio sobre ele, todavia, estando preparado, resistiu e manteve-se firme no chão. Protegeu a criança atrás de si e sacou uma espada curta da bainha. Colocou-se em posição de vigilância e esperou. Macus se levantou com dificuldade e veio até eles. Nesse momento, ouviram um estalo e uma grande árvore foi arrancada pela raiz e tombou próximo deles, não lhes oferecendo, contudo, nenhum perigo. Os três se afastaram e esperaram, observando. — Não tenham medo . — disse Lissa — Não creio que queiram lhes fazer mal. Os fantasmas podem ser manifestações que se dão pela vontade dos Kamms. Às vezes, podem estar querendo transmitir-nos alguma mensagem, embora eu ainda não tenha compreendido qual seja. Vamos descobrir, não se preocupem. — E se eu lhe contar a minha teoria? — disse Macus com a mão em uma costela e em meio a uma careta de dor — Acredito que o fantasma não quer que você morr...