O inevitável
I.
Disseram que eu não era capaz de contar uma história. Disseram que eu não seria capaz sequer de existir. Quando nasci, logo colocaram um toco de pau na minha mão e experimentaram minha força. Era para ver se eu seria capaz de socar o pilão. Pelo menos para isso eu deveria servir.
Era costume, na região das geladas terras de Antares, no continente Gaúrus, em Arcaires, determinar o destino de um bebê logo no nascimento. Assim que a indefesa criança vinha ao mundo, os sábios a avaliavam. Procuravam por algum sinal de nascença no rosto, manchas na pele pelo corpo, defeitos em algum dos membros; analisavam o tipo de cabelo e até mesmo a ausência dele; mediam o tamanho da cabeça, das mãos, dos pés; e, inclusive, forçavam os olhos a se abrirem para verificarem sua cor e seu tamanho. Com isso, mesmo na tenra idade, os sábios determinavam se uma criança seria a digna herdeira de um chefe de clã (ou a digna consorte de um) ou se seu destino seria obscuro, fadado aos duros trabalhos nas geleiras.
Assim, logo no berço, talentos eram descobertos, casamentos eram arranjados e os trabalhos da vida toda eram determinados. Dedos longos significavam que a criança seria uma boa instrumentista para aquecer os corações nas noites escuras – e ela era mandada aos mestres das notas logo que aprendia a falar. Falhas nos pés significavam uma vida curta – assim, desacreditada, a criatura crescia mal alimentada e, mal ensinada quanto aos perigos do mundo, acabava ficando desprotegida. Pele imaculada era sinal de destino próspero – e o bebê abençoado era criado sob as lonas mais bem protegidas e com os apegos e cuidados mais singelos. Olhos grandes indicavam um bom caçador – e as armas eram postas nas mãos daqueles que eram apontados com essa boa sorte quando ainda eram crianças pequenas, para que aprimorassem seus talentos natos. E assim por diante.
Por outro lado, pelos na face e corpanzil exagerado, combinados com olhos ágeis e aguçados, não podiam ser bom sinal para uma criança recém-nascida num clã de homens. A criatura que os apresentava, provavelmente, era fruto de uma mescla e isso, se não intolerável, representava a marca de um futuro nebuloso.
E foi por isso, pelo que me contaram, que logo me separaram de minha mãe, mesmo após terem constatado que eu era, sim, capaz de segurar o pilão (aliás, é possível que o pilão tenha me salvado). E nunca me disseram o que foi feito dela. Seu nome era proibido de ser mencionado. Uma vez levei um tapa na boca quando tentei saber mais do que seu próprio nome, o que me foi revelado como uma concessão e somente porque, na época da revelação, julgavam que eu não era capaz de falar para poder um dia repeti-lo. Aliás, quase nunca falavam comigo, a não ser para zombar de minhas inabilidades (era eu considerado desengonçado) ou debochar de meu mau nascimento (os traços diferenciais eram predominantes em mim e se tornavam mais evidentes à medida que eu crescia) ou me repassar alguma tarefa trivial. Na vez seguinte, em que tentei obter alguma informação sobre minha mãe e meu passado, uma botina acertou minha testa. Na outra, um jarro de água gelada foi despejado sobre mim. Todavia nada disso foi suficiente para me fazer desistir. Ouvi dizerem que eu era teimoso. Uma palavra bonita que ressoou em minha mente por muito tempo sem qualquer explicação, mas que, com certeza, significava algo ruim.
Vez ou outra, quando eu tinha um novo guia (assim chamávamos os mestres das artes, das armas e os artífices), eu arriscava perguntar alguma coisa, julgando estar usando do que chamavam de sutileza. Eu não compreendia bem essa palavra, a qual os sábios pregavam como a regra máxima da interação, mas me parecia que significava o oposto de atirar uma botina ou entornar a água sobre alguém. No entanto, era evidente que as tais regras não se aplicavam quando eu era o alvo.
Na realidade, nunca me importei muito com a água fria. Meu corpo, diferente de todos os membros da minha aldeia de nascimento, desenvolveu uma grossa camada de pelos que foi aumentando à medida que fui crescendo e essa cobertura extra me permitia usar menos roupas que os demais, embora, algumas vezes, eu tenha sido repreendido pela ausência total de vestimentas. Nunca compreendi bem o porquê. Eu estava confortável, afinal. E me parecia, a princípio, que as vestes eram usadas para deixar as pessoas confortáveis.
Bom, certa feita, catando aqui e ali, descobri que minha mãe talvez tenha sido neta, ou algo assim, de um chefe de clã. E me parecia, pelo que entendi, que ela havia desrespeitado alguma das milhares de tradições do nosso povo, tendo escapado, numa noite enluarada, e topado com um ogro. Desse encontro, me parece, resultou algo problemático e ela foi banida ou morta. Ou algo assim.
II.
Fui ensinado a socar o pilão. Eu passava o dia triturando o milho, o café e o arroz que vinham de Impéria e abasteciam nossos celeiros do verão ao inverno. Os navegadores apenas partiam em busca de suprimentos na primavera quando os mares e os ventos eram menos revoltos e era possível fazer viagens.
Eu cresci bem mais do que um homem comum e acabei ficando um pouco encurvado, embora tomasse varadas dos guias para endireitar as costas. Meus pelos escuros e grossos se destacavam em meio à neve branca e alguns me chamavam de lobo, outros diziam monstro, outros simplesmente exclamavam um chamamento qualquer, como se nunca se dirigissem realmente, de forma direta, a mim. Ora, eles são sábios, mas eu sei bem que não sou um lobo, muito menos um monstro. Ouvi dizer que monstros não pensam e eu acho que penso o suficiente. Lobos, por sua vez, são ferozes, têm presas pontiagudas e unhas afiadas como garras nas patas. Eu tenho unhas bem aparadas (alguém sempre me manda cortá-las bem e eu obedeço). E meus dentes se parecem com os dos homens do clã, embora sejam um pouco maiores e os caninos se destaquem. E, claro, minha boca também é bem maior, por isso acho que possuo muito mais dentes do que eles. Meus olhos são escuros como a noite e, por aqui, vejo uma distinção de cores de tons claros, alguns que se parecem com os céus, outros com as plantas, que quase não vemos por aqui, à exceção do que chega pelos mares, e há aqueles olhos que, como o mel, me encaram de uma forma que não posso evitar olhar de volta, mesmo que me digam para nunca encarar. Ficam tentando endireitar minhas costas, porém sempre me mandam abaixar a cabeça. Dizem que causo ojeriza. Mal imagino o que possa significar tal agressividade em forma de palavra.
Eles não sabem o quanto é solitário ser tão diferente. Sinto que sou rechaçado sempre que me aproximo de algum grupo que está assando carne ao redor do fogo ou que está fazendo alguma atividade ao ar livre. Por aqui, eles têm o hábito de enrolar as palhas do milho e fazer alguns brinquedos de arremesso, os quais as crianças costumam utilizar para treinar a pontaria ou simplesmente para jogarem e se divertirem. Nunca me permitiram participar desses jogos. Mas eu os observo de longe.
Fui me tornando cada vez mais eficiente na atividade de triturar os grãos e os cereais. Posso desempenhá-la com uma só mão, mesmo sendo o pilão muito pesado, e costumo alterar entre uma e outra para não me cansar.
Meus músculos continuaram crescendo e minha força os assustava. Certa vez, vi algumas mães gritarem apavoradas quando suas crianças escaparam e vieram em minha direção. As pequenas criaturas, aparentemente, só queriam acariciar meus pelos, mas o estardalhaço foi imenso. Achei que fosse passar uns dias na masmorra, porém logo fui esquecido enquanto todos avaliavam os corpos diminutos em busca de ferimentos. Dei um jeito de escapulir e ficar escondido pelo resto do dia. Na manhã seguinte, já haviam esquecido tudo e as crianças foram mantidas sob maior vigilância. Acho que os aldeões deviam considerar o pilão uma arma muito perigosa. Contudo, percebo que as espadas que os homens fazem não parecem assustar essas mesmas mulheres, ou seus companheiros, de igual forma. Estranho. Devo ser mesmo perigoso.
III.
Assim cresci. E, certa feita, aconteceu o inevitável. Uma daquelas crianças, cujos olhos pareciam mel derretido e que uma vez viera tentar acariciar meus pelos, cresceu um pouco mais e se aproximou de mim às escondidas. A princípio, ela se informava sobre a transformação dos grãos em farinha, se admirava de minha incansável força e dizia gostar de me ver trabalhar.
Nós conversávamos – por estranho que isso possa parecer, já que minha voz soava arranhada por falta de uso e minha pronúncia das palavras era, por vezes, incompleta ou errada. Eu era como uma trombeta desafinada ao emitir qualquer som enquanto ela ria como um clarim quando eu falava qualquer coisa estranha e corrigia meus equívocos. Uma vez ela me disse que ninguém podia aprender se não fosse ensinado e quis tentar socar o pilão. Acho que o exercício lhe fez bem. Antes ela era praticamente uma menina, mas cresceu rápido. Seus braços engrossaram, sua cintura afinou e seus seios se destacaram. Seu tempo passou a ser requisitado pelas outras moças e ela reduziu seus momentos comigo, mas nossos instantes eram cada vez mais bem aproveitados. Chegamos a sair para passear algumas vezes, inclusive à noite. Ela dizia que, ao meu lado, não tinha medo de nada.
Nossas aventuras ficavam mais emocionantes a cada fuga. Brincávamos de correr e pegar. Eu sentia, com meu tato apurado, as peles frias nas quais ela se envolvia, porém, apesar das grossas vestimentas, o calor de seu corpo me tocava. Brincávamos de atirar bolas que roubávamos, às escondidas, dos baús das crianças. Fazíamos fogueira longe do vilarejo e ficávamos conversando sem parar. Traçávamos mapas no chão, criando os lugares que queríamos conhecer, com base nos nomes de lugarejos que ouvíamos dos homens durante o dia. E, embora não soubéssemos nada dos outros povos que habitam Arcaires, os visitávamos com frequência em nossas histórias e eles sempre nos recebiam bem.
Aprendi muito com ela. Como fui ensinado a não dizer nomes, também não perguntei o seu. Ela não me chamava com interjeições nem se dirigia a mim como monstro ou lobo, mas também não usava nem perguntava nomes, dizia simplesmente “você”, quando era necessário falar diretamente, e nunca me chamava de longe. Aliás, ela nunca gritava. O mel que escorria de seus olhos parecia estar também em seus lábios. E eles me hipnotizavam.
Ela me passava as lições que aprendera de criança e praticava algumas comigo. Também fazíamos exercícios de atirar e caçar. Eu era muito bom em seguir meus instintos mesmo sem ter sido ensinado. E ela era muito boa em esculpir a madeira. Um dia fez uma flecha. Outro dia esculpiu um lobo, depois uma cabana. Fiquei observando seu trabalho. Quando se concentrava, o franzir de sua testa dava um ar menos juvenil ao seu rosto. Gostaria de saber esculpir para representá-la e poder olhar sempre para aquela feição. Quando estava com ela, o vilarejo sumia, os homens eram esquecidos, o tempo parava e, simultaneamente, voava. Queria ter fugido com ela daquele lugar.
IV.
Aconteceu que descobriram nossa ausência. A noite estava muito fria e eu me sentava junto ao fogo ao lado dela. Estávamos bem mais perto do que de costume. Acho que ela aproveitava meus pelos para se aquecer. De minha parte, estava, como sempre, confortável – palavra que havia se tornado costumeira para mim desde que ela se aproximara há algum tempo (ela sempre dizia que era confortável estar comigo). E assim fomos encontrados.
Não sei o que causou maior alvoroço. O fato de ela estar perdida na noite ou de estar comigo. Aliás, a princípio, comigo ninguém parecia se importar. Eu era para eles como as pedras nas quais nos sentávamos, ou melhor, as pedras tinham uma função para existir, mesmo que fosse só para servir de assento, já eu não tinha função, a não ser, talvez, assustá-los. E, claro, fazer farinha. Mas não agora.
Eles gritavam vivas e sustos, vaias e imprecações. Davam o sinal de que a tinham encontrado e pareciam felizes com isso, todavia pareciam também horrorizados e emitiam sinais de alerta de perigo. Eles estavam sendo atacados e haviam vindo nos avisar por preocupação? Ou o perigo era simplesmente eu?
Quando nos levantamos, eles apontaram suas tochas e suas espadas para mim, armaram os arcos e gritaram palavras de comando, porém permaneceram recuados e não se aproximaram. Depois de algum tempo de confusão, ela se afastou de mim. Senti um calor me deixando. Ela esticava os braços no ar e pronunciava palavras apressadas demais para que eu pudesse acompanhar o raciocínio. Mas permanecia na minha frente como se para impedir que me atacassem. Ora, eles não me atacariam. Atacariam? O que era tudo aquilo? O que havia gerado tamanha confusão? Ela não foi capaz de me explicar, não lhe deram muito tempo. Aliás, algo me dizia que ela também estava tentando se explicar. Ela havia feito algo errado?
Assim que ela se afastou um pouco, eles a agarraram violentamente e a afastaram de mim. Eu rugi involuntariamente. Não queria que a maltratassem. Entenderam como uma ameaça e uma flecha acertou meu flanco. Eu urrei. Havia doído, mas nem tanto. Estava preocupado com ela. Os homens a passavam de mão em mão, atirando-a para um e para outro como se para protegê-la, mas não sei se ela gostava daquela proteção, alisando seu corpo com mãos frias e sem pelos. Ela gritava. Os gritos dela ressoavam em meu ouvido. Por algum motivo, pensei em minha mãe. E quis perguntar alguma coisa, entretanto tudo que conseguia pronunciar eram rosnados incompreensíveis.
Senti ligeiramente outra flecha penetrando minha carne. De repente, vi seus olhos de mel transbordarem. Ela chorava. Estava com os olhos arregalados e a boca muda muito aberta. E ela se debatia nas mãos do homem que agora a tinha junto a seu corpo. Definitivamente ela não queria aquele calor.
Outra flecha. Essa perto da garganta. Doeu. Realmente doeu. Ela mordeu a mão do homem que a abraçava protetoramente e gritou um urro mais potente do que o meu. Assustei-me e quis pedir que se acalmasse. Aproximei-me. O homem a atirou ao solo e me apontou sua arma. Investi contra ele. Apertei-o com meus braços musculosos e destrocei-o com meus dentes em poucos instantes. Ela estava caída logo abaixo e ficou coberta por entranhas e sangue. Foi uma cena horrível, não queria que tivesse acontecido. Mas juro que não planejei isso, simplesmente aconteceu. Ela estava paralisada. O susto não saía de seus doces olhos atordoados. E o nojo. Eu podia sentir o nojo que ela emanava. Estaria com medo de mim?
De repente, percebi que minha força não servia apenas para socar o pilão e soube que era agora impossível reprimi-la. Nunca havia odiado aqueles homens. Também não lhes quisera mal. Sabia os nomes de todos eles, mesmo que não os utilizasse, e embora a maioria deles nunca tivesse me dirigido a palavra. Eles comiam a farinha do milho que eu moía. Bebiam mingau do arroz que eu triturava. Tomavam café dos grãos que eu transformava em pó. A raiva irreprimível me cegava. Estaria eu agora os odiando?
V.
Outro homem se aproximou de mim pelas costas. Meu reflexo me levou a atingi-lo em cheio. Outra queda violenta. Outro aldeão destroçado. Eles não podiam comigo. Veio um sujeito e arrastou o corpo atônito da moça coberta de entranhas. Vi o sangue nos meus olhos e o ataquei. Senti um corte nas costas, mas fui capaz de ignorar a ferida. Aquele homem precisava soltá-la. Ele tinha de tombar. E logo o levei ao chão. Esse foi mais limpo. Apenas quebrei seu pescoço e ele caiu imóvel. Ela caiu junto com meu adversário e tornou a me olhar horrorizada. Estaria arrependida de ter se aproximado de mim?
Senti o sangue escorrendo em meu traseiro. O corte nas costas parecia mais sério do que suspeitei a princípio, mas preferi seguir ignorando-o. Ao meu redor, muitos conterrâneos me apontavam suas armas. E, de um instante para o outro, eles me atacaram ao mesmo tempo. Desviei de alguns golpes, aparei outros e desferi muitas mordidas, socos e chutes. Meus braços eram pesados e minhas pernas também, mesmo que eu não as exercitasse muito. Meu corpo todo parecia ter sido preparado para aquele momento. Eu era o caçador e não a presa e ia mostrar isso a eles. Minhas emoções estavam à flor da pele. Eu estava excitado com o sangue que escorria, com os corpos que tombavam, com a vida que se esvaía. Mas estava dividido, preocupado. Quando os homens começaram a morrer, notei que ela era frágil, mais frágil do que eu acreditava, e estava largada no meio de um combate feroz.
Enquanto me distraí por um segundo pensando nela, caída em meio à imundície na qual eu a atirara, um homem cutucou o meu ventre com uma lança. Não era um guia de armas, mas um sábio. Era um sujeito velho, cabeludo e barbudo. Estranhamente, um dos que sempre imaginei serem mais parecidos comigo. Sentir a ponta de sua lança perfurando minhas entranhas me causou um sentimento irreconhecível. Olhei-o nos olhos e ele, imediatamente, soltou o cabo de madeira da arma. A ponta metálica ainda estava penetrada em minha pele. Não me importei com isso. Movi-me um passo em sua direção. O cabo da lança tocou o solo travando meu movimento; arranquei-a de qualquer maneira. Ela se quebrou na minha mão. A ponta metálica ainda me cutucava por dentro, acho que ficou presa. Peguei o pescoço do velho homem. Ele me olhou de uma forma como nunca vi antes. Não tinha mais o deboche, a serenidade, a consistência do homem que conheci; era um inimigo acuado, horrorizado. Era apenas um homem diante de uma besta. E eu cumpri bem o papel da fera. Destrocei-o.
Quando o velho tombou, a luta parou por um momento diante do horror de seu corpo praticamente dividido em dois. Era aquele instante ínfimo que permite um breve relance do todo. Olhei em volta. É verdade que eu havia levado ao chão um grande número de homens, mas eles eram muitos. E resistiam bem. Alguns me encaravam agora com pavor, vacilando, outros com confiante descrença e o restante, com desafio. Olhei para ela.
As lágrimas inundavam seu rosto sujo e manchado enquanto ela fitava cada centímetro de meu corpo musculoso e peludo. Então vi algo diferente. O que era aquilo que ela estava sentindo? Não era nojo. A cara do nojo era algo mais fácil de identificar, eu acho. Gostaria de poder perguntar a ela. Ela costumava descrever as emoções para mim. Brincávamos de mostrar uma expressão facial, e o outro adivinhava se aquilo era raiva, alegria ou outra coisa qualquer. Eu não era bom nisso, mas ela sempre tinha paciência de explicar o que eu não compreendia.
Sacudi a cabeça para recobrar a noção do presente e ganhar fôlego. Então olhei para mim mesmo. Meu corpo era puro sangue, sujeira e feridas abertas. Se fosse um homem como eles, certamente já teria tombado. O que seria dela se eu tombasse?
Balancei a cabeça outra vez e investi. Nunca me ensinaram que o ataque é a melhor defesa. Nunca me ensinaram a lutar. Jamais me ensinaram a recuar. Tampouco me ensinaram a fugir. Aliás, nunca me ensinaram nada. Mas eu investi. Com garras, unhas e dentes. Investi para romper a barreira que me separava dela. Para impedir que eles a levassem para longe de mim. Para não deixar que eles a machucassem. Para fazer sumir até o último guerreiro daquele vilarejo monstruoso. Sim. Quando eu acabasse com estes, iria atrás dos outros. Era a vaga ideia que me ocorria enquanto eu investia. Seria isso ódio genuíno?
Eu nunca tinha ouvido sobre a morte. É claro que soube que muitos homens do povoado morreram. Minha mãe talvez tenha morrido também. Mas essa informação era vazia de significado. Era como uma partida para outro continente de Arcaires ou talvez como um sono profundo sem amanhã. Uma ausência sem nunca ter sido presença. Uma espécie de sentimento que ressoava carente de existência, como um eco de um tempo distante, de algo inatingível ou esquecido. De algo que não me afetava. A morte era algo que nunca havia me incomodado. Até agora.
Agora eu conhecia a imprescindível presença dela. Não conhecia nada além disso. Desejava essa presença mais do que temia meus próprios ferimentos. Ansiava pelo calor que ela emanava muito além daquele borrão negro que empalidecia meus olhos. Desejava-a tão forte a ponto de ignorar a ausência que rompia minha consciência. Eu queria... tocá-la ao menos uma vez e pedir que me explicasse o que era mesmo que eu queria... Se eu pudesse encontrar aqueles olhos de mel derretido... Onde era mesmo que ela havia caído?
Fim.
O inivitável é não ler esse blog....
ResponderExcluirAhhh que fofo!! 😍Obrigada pelo carinho, caro(a) leitor (a)! E
ExcluirObrigada por me acompanhar por aqui! 😊
Abraço
Que história bacana! parabéns, muito boa mesmo!
ResponderExcluirMuito obrigada por me dedicar seu tempo e sua leitura! Fico feliz que tenha gostado! 😘
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