A maldição de Arbon. Parte 1
Não consigo ficar longe de vocês, queridos leitores. Esse longo hiato foi um duro período para mim, mas agora, com grande satisfação, volto aqui para apresentar "A maldição de Arbon"! Uma nova aventura, um novo herói. Confiram!
I.
Jurássis era um dos cinco continentes de Arcaires e situava-se entre
Lanória e Gaúrus, emergindo sobre as águas do Grande Oceano. A parte norte
dessa porção de terra continental chamada Jurássis era um lugar úmido e quente,
praticamente todo tomado por vegetação vasta e exuberante. As árvores se
estendiam desde o mar até o interior, indo fincar suas raízes nas águas de um
rio chamado Velho. Toda essa ampla região era conhecida como Floresta das
Feras.
No interior da Floresta das Feras, existiam vários povoados onde
habitavam bons construtores, exímios agricultores e artífices de variadas
ordens. Naquela região, era comum encontrar casas de pedra além das de taipa e
adobe. Era usual, entre os agricultores, realizar a divisão de culturas, com
isso havia grandes áreas de cultivo reservadas a apenas algumas espécies de
sementes ou raízes. Nos vilarejos mais próximos do mar, havia estaleiros nos
quais grandes mestres trabalhavam a madeira com perfeição, além de fazerem
experiências em metal.
Nas cercanias de um desses estaleiros do interior da Floresta das Feras,
no extremo leste do continente, se erguera um povoado chamado Arbon, que vinha
crescendo e se desenvolvendo. Ali residia gente diversa e pousavam
costumeiramente viajantes de toda ordem, sendo grande parte deles composta de
marinheiros. A vida em Arbon era pacata e as pessoas originárias do vilarejo
costumavam ser simples e supersticiosas.
E a este povoado acabavam de chegar os elfos Irkan e Macus.
II.
Os dois companheiros haviam nascido e se criado na cidade corsária de
Kaffa, localizada na Baía dos Gritos, na parte oriental de Jurássis, ao sul da
Floresta das Feras. Kaffa era a maior e mais importante cidade do continente e
dali partiam navios para vários lugares de Arcaires. Eles saíam repletos de
mercadorias que seriam vendidas ou trocadas em Duegom, no continente Impéria,
ou mesmo nos portos de Lanória, de onde voltavam também abastecidos.
Irkan, o Caçador, era bem mais velho que Macus, embora os dois fossem
ainda considerados jovens para sua raça. O elfo Irkan tinha a pele morena e o
cabelo ruivo, já Macus era de pele negra e cabelo escuro. Os dois estavam em
uma expedição pelo continente e procuraram pouso logo que chegaram ao vilarejo
de Arbon.
Entraram em uma estalagem de onde vinha uma mescla de sons altos e
ininteligíveis. Perceberam que muitas pessoas conversavam – algumas com
vozeirões roucos, outras com sussurros quase mudos – e havia uma grande tensão
entre eles. Os bardos, a um canto, mantinham seus tambores, chocalhos e violas
silenciosos a seus pés enquanto conversavam exaltados. Apesar do estado de
ânimo das pessoas, o local tinha tochas que amenizavam os efeitos do vento
úmido e gélido que soprava do mar e os elfos consideraram fortemente permanecer
ali. Observando à sua volta, eles avançaram pelo salão.
Diante da porta, na parede oposta, havia um balcão de onde uma mulher
esbelta, um velho gordo e um rapazinho de olhar preguiçoso atendiam as pessoas.
Em exposição nas prateleiras atrás deles, além de vasilhames de toda ordem,
havia linguiças e pedaços de carnes secas dependurados em ganchos, garrafas de
mel e cachaça, barris de cerveja, potes de compota, nacos de queijos brancos,
pães escurecidos e jarras de leite. Sobre o balcão havia diversos tipos de
peixes, salgados ou não, uns com escamas e olhos coloridos, outros
desentranhados.
Pelo salão, se espalhavam mesas de tamanhos variados. Irkan escolheu uma
pequena enquanto Macus apresentou-se ao balcão. O rapaz pediu uma sopa de
legumes e frutos do mar, acompanhada por pães com fartos pedaços de linguiça,
e, para beber, cachaça e água.
III.
Os dois comeram em silêncio e, quando terminaram, deram graças pelo
alimento. No momento seguinte, um homem troncudo e de braços fortes cruzou a
porta. Dirigiu-se ao gordo estalajadeiro e falou-lhe algo de modo apressado.
Seus olhos se voltaram para o salão enquanto ouvia a resposta do velho. Por
fim, o estalajadeiro apontou a mesa de Irkan, onde ainda havia cadeiras vagas,
e o sujeito se dirigiu até lá.
— Boa noite. — disse ele mostrando os dentes. — Incomodo se me assento
com os senhores?
— De modo algum. — respondeu Irkan de forma cortês. — Por favor. —
completou apontando o lugar vago. Em seguida, o elfo chamou a mulher e
pediu-lhe um copo para o recém-chegado. O homem não esperou que Irkan o
servisse e foi logo enchendo o copo e virando-o na boca. Com um “aaaahhh” repousou-o vazio na mesa e
olhou para os elfos.
— Vejo que não são daqui. — ele falou. — Sou Merbion. Dos portos.
— Somos de Kaffa. — tornou o elfo. — Sou Irkan. E meu companheiro é
Macus.
— Irkan, o Caçador?! — disse o homem com surpresa.
— Sim. — disse ele com um lampejo no olhar.
Ficaram em silêncio por algum tempo enquanto o homem enchia o copo outra
vez.
— E chegaram há pouco, imagino. — o sujeito tentou parecer casual.
— Sim, há pouco. — disse Irkan de modo reticente.
— Então ainda não ouviram sobre o que está acontecendo aqui, suponho...
Ou ouviram?
— O que deveríamos saber quanto a isso? — perguntou Irkan.
Merbion encarou os olhos do elfo. Então se aproximou mais da mesa e,
baixando a voz, perguntou:
— Já viram fantasmas em Kaffa?
— Eles estão por aí... — respondeu Irkan casualmente.
— Eles realmente estão por aí. — disse Merbion de modo definitivo,
tomando outra dose. Em seguida, encheu novamente o copo de cachaça.
Macus olhou para Irkan e dele, para Merbion, então perguntou:
— O senhor viu algum fantasma?
Merbion o fitou de volta, desconfiado.
— Veja, eu não sou de lorotas nem nada... — parou olhando o copo entre as
mãos. — Mas há um fantasma em Arbon.
IV.
Macus e Irkan se entreolharam, mas nada disseram.
— Eu o vi, de relance, enquanto ajudava a preparar o local da oferenda na
praia essa tarde. — continuou Merbion.
— A oferenda? — perguntou Macus.
Merbion o olhou com um misto de incredulidade e incompreensão.
— Nós temos uma tradição em Arbon. — disse o homem. — Talvez já tenham
ouvido falar dela em Kaffa... Aqui realizamos rituais e oferecemos nossas oferendas
aos deuses.
— Entendo... — disse o elfo mais jovem com olhar pensativo.
— Em Arbon, Macus, — falou Irkan — as pessoas respeitam e honram os seres
da natureza – o mar, a terra, as árvores, os rios, as rochas, a lua, o sol – e lhes
prestam cultos. Há, inclusive, um termo curioso que identifica os elementos
como sagrados. Por exemplo, eles dizem MarKamm à divindade do Mar; ArKamm à das
árvores, e assim por diante. Meu próprio nome poderia ser um motivo de ofensa
ou confusão nesta terra, embora meus pais não tivessem essa intenção quando o
escolheram.
— Irkan... — falou Merbion devagar, analisando a própria pronúncia — Irkan...
— repetiu — Creio que não encontrará problemas com aqueles que, como eu,
conhecem sua reputação, senhor caçador. Mas confesso que soa muito estranho me
dirigir a uma pessoa desta maneira, embora eu compreenda que veio de outra
terra...
— Sim. — tornou o elfo. — Mas você nos dizia que estava na praia quando
viu o fantasma.
— Sim! — falou Merbion — Os sacerdotes levavam a criança ao púlpito
quando ele surgiu outra vez. Disseram que seus olhos estavam repletos de ódio e
que sua fúria era insana, mas ninguém esperou para que ele a colocasse em
prática. Gritaram “fantasma!” e todos fugimos apavorados, lembrando-nos do que
ocorreu nas outras aparições. Disseram que a criança havia se perdido no meio
da confusão, mas, quando voltamos para procurá-la, não a encontramos. Iam aplicar
um castigo ao sacerdote responsável por ela, então eu os deixei. Estão todos
loucos. Loucos!
Ele pontuou a última palavra erguendo-se e tomando outra vez a garrafa de
cachaça. Irkan deixou que ele se servisse de outra dose enquanto o encarava,
refletindo. Macus também o fitava, perplexo por sua vez.
— E quanto às outras aparições? — perguntou o elfo mais velho.
Merbion o fitou como se precisasse buscar algo na memória e Irkan o
encarou e esperou.
— Ele atacou o mosteiro onde vivem as crianças consagradas e matou um
sacerdote. — prosseguiu Merbion revirando os olhos após virar um grande gole. —
Naufragou um navio próximo ao porto, quatro luas atrás, quando tentavam, em
vão, realizar o ritual na praia. Houve um incêndio em uma plantação a oeste
daqui, o qual também atribuíram a ele. Além disso, duas pessoas morreram no
porto de modo muito estranho e os outros estão dizendo que foi obra do
fantasma. Todos estão com medo. E agora nem conseguimos realizar o ritual outra
vez...
— O que o senhor acha? —
perguntou o elfo. — Quero dizer, quanto às mortes e aparições.
— Bom, não sei bem... — disse o homem — No mosteiro houve testemunhas,
como hoje. E também no caso do navio. No mais, eu não sei. O incidente no porto
foi realmente muito estranho, mas eu não sei, foi tudo muito rápido...
— Penso que o senhor deveria descansar. — disse Irkan por fim. Sua voz
continha um certo tom de autoridade. Venha, Macus, vamos sair.
O jovem elfo levantou-se, olhando para o companheiro. O homem os fitava
com os olhos arregalados e uma palavra presa à garganta.
— Até logo, senhor. — disse Macus enquanto acompanhava Irkan rumo à noite
escura.
Continua...
Espero que haja logo a continuação dessa fascinante história!
ResponderExcluirEm breve haverá! ;)
ExcluirEstou esperando com ansiedade a segunda parte, gostei muito
ResponderExcluirOlá, caro leitor! Obrigada por continuar conosco.
ExcluirA vida anda atribulada, mas vou escrever a continuação!
Até breve!